Confissões de um amigo - Pessoas que inspiram
Publicado em 18/09/2022 - 08:52 Por Nilson LimaO que você faz para enfrentar momentos de dificuldade? Eu procuro pensar em quem me inspira. Ainda vivemos a ameaça de uma doença que desconhece fronteiras. Que convive com a fome dos amontoados e com a abundância dos abastados. Uma doença que prende da porta para dentro os privilegiados, e quase que expulsa da porta para fora os que dependem da rua para colocar o pão de cada dia para dentro de casa. Enfrentamos angústia, incertezas.
Excesso de perguntas, falta de respostas. Nesse cenário caótico, o primeiro que me veio à mente (correndo, claro) foi o Nilsão. Talvez você já tenha cruzado com ele por aí, sem ter a mínima ideia do que ele já fez – e continua fazendo. As aparências enganam, mas os hábitos não. E muito menos os apetrechos. Nas madrugadas, a cidade ainda descansa em sono profundo enquanto ele passa correndo para lá e para cá em sua terapia diária.
Quando todos acordam, ele já de banho tomado e barriga cheia deixa vestígios que denunciam seu estilo de vida. Um despretensioso – e repleto de valor sentimental – boné de uma das tantas maratonas que ele completou, ou mesmo o tênis com um solado alto e estranho. Marcas registradas dos que se aventuram em sair correndo por aí.
Até aqui, poderia ser qualquer um que gosta de correr e leva isso como um estilo de vida. Mas o Nilsão vai além. Muito além. É uma lenda, uma inspiração. Tanto para os que arriscam os primeiros passos nesse universo particular da corrida quanto para os que seguem acumulando horas e horas de passadas consistentes.
O Nilsão já passou a régua em todas as maratonas da América do Sul. De São Paulo a Bogotá; da Patagônia a Manaus. Fez uma maratona em cada estado dos Estados Unidos. Já fez Londres, Chicago, Berlin, Tóquio, Nova Iorque, Boston. Todas as Majors. E algumas delas várias vezes. Como se não bastassem maratonas, um dos marcos culturais da África do Sul é uma corrida bem famosa chamada Comrades. Uma ultramaratona de 90 quilômetros, que nasceu e se alimenta da recente e sofrida história de um povo tão rico em vida e força.
O Nilsão segue acumulando medalhas da Comrades, e lá marca presença há 8 anos. Em busca da 10ª, do Green Number, e muito mais. No total, são 300 maratonas e ultramaratonas mundo afora. Os números impressionam, mas não contam toda a história. Quem conhece sabe: o Nilsão é uma aula viva de humildade. Ele não é só um raro exemplar de um corredor absurdamente fora da curva. Ele é bem mais que isso: um inestimável exemplo de ser humano.
Dono de um coração gigantesco, ele absorve nos momentos mais simples o que tantos procuram a vida inteira e não acham. Na simplicidade de colocar um passo após o outro, sem pressa e com um baita sorriso no rosto, o Nilsão transborda felicidade. Quer um exemplo? Um momento que lembro como feliz da minha vida foi acordar às 3 da manhã em um modesto hotel de Bertioga e juntos comemos um pão envelhecido do dia anterior antes de seguirmos espremidos no carro para a largada de uma prova. Momento simples, mas cheio de alegria.
Por isso, hoje é o Nilsão que me vem em mente. Para manter viva na mente a noção de que a vida é feita da reunião de vários momentos comuns, e alguns poucos momentos extraordinários. E que a tal da felicidade pode (e com certeza vai) estar escondida até mesmo nas coisas mais corriqueiras.
Texto de Thiago Ribeiro – Maratonista e Triatleta