Casa mineira
Publicado em 22/11/2021 - 12:55 Por Márcia CostaAs imagens chegam até nós pelos olhos, pelo corpo, pela mente. Impregnam nossos sentidos, provocam emoções e geram significado. As fotografias são também símbolos, que se estabelecem em uma cultura, criando referências na nossa história. Quando esses símbolos encontram a emoção, temos uma estética do afeto.
A cultura mineira é plena dessas imagens pra nós. A casa mineira da roça, em seu sentido mais original, carrega as marcas da nossa cultura: o caminho de terra, o fogão a lenha, a galinha caipira, o carro de boi, o artesanato, as flores, e o crucifixo que a tudo protege.
Nós, mineiros, costumamos guardar na gaveta dos afetos um sem-número de imagens assim, das visitas que fazemos às roças mineiras, aos parentes, aos amigos. Essas são da casa da tia Lourdes. Em uma ocasião, enviei fotos da casinha dela à querida poeta Adriane Garcia. Adriane rapidamente transformou tudo em poema.
Reproduzo abaixo as palavras tecidas pela poeta, imagens mentais-emocionais sobre esse canto tão especial pra nós, lugar do abrigo mineiro: a casa. Adriane contou que sua avó tinha a santaria em cima de uma prateleira e a espada de São Jorge na porta. E olhando a fotografia da estante da tia Lourdes, lembrou: “Garrafinhas. Tudo tão minha avó”. Ela, como eu, também se emociona com essas casas. “Elas têm cheiro. A gente que conhece reconhece. São casas para o afeto. A estética é o afeto", disse a poeta.
Agradeço demais por essa troca com a Adriane, onde palavras encontraram harmoniosamente as imagens. Ela diz: “Se te levo algo, você aqui me traz. É o mesmo universo, né? Minas na gente”. Trocar imagens e palavras é trocar sentimentos profundos. Adriane poetiza: “ Se não formos afeto, nem seremos”.
CASA MINEIRA
(Por Adriane Garcia)
Bendita a força que conserva
A casa mineira
O portão de tábua
O vão por onde o mato
Oferta flores
Pequenas, desapercebidas
Ao mineiro basta
Que elas estejam
Mesmo se as pisa
É de terra o caminho que leva
À porta
Nas laterais as latas
Improvisam jardins
Seguram as plantas ornamentais
E ecumênicas:
Comigo-ninguém-pode
É espada de São Jorge
Que perfila na santaria
(Maria, o Menino Jesus
E esta moça Iemanjá)
A sala recebe a visita
E se a luz aconchega é
Entre as frestas
Da cortina de crochê tecida
Por uma dona Tereza
Mariana, Donana...
A mão mineira gosta
De tecer e esperar
A água sempre fervente
Por cima das brasas
Em torno da casa mineira
Há pássaros e brisa
E riso de criança riscando o silêncio
Enquanto alguém matuta
Um poema
(Mineiro quando vira poeta
É de tanto olhar montanha)
A fumaça evola
É o café
Servido porque não servir
É pecado
E bolinho de chuva é faça chuva
Ou faça sol
Amanhã no almoço
Ora-pro-nobis
Alguém vai matar uma galinha
A visita repara que Minas
Gosta das suas lembranças
E prende tudo nos retratos
Enquanto o tempo foge
Desgovernado
Seja em automóveis ou carros de boi
(O tempo não gosta de Minas)
À noite um carteado
Uma moda de viola
E o sono dos mineiros
Depois o silêncio aumenta
A voz do córrego
Antes de dormir
Espanta-se com a vassoura os sapos
(Amanhã a casa se enche de netos)
Casa mineira
Verdadeira
Tem cheiro de avó.
(Para Ana Cristina, Fernanda e Wilson)
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