Colunistas
Como a filosofia pode ajudar na sua saúde mental
Publicado em 10/06/2021 - 23:24 Por Dra. Gabriela Lein Vieira
O ano é 2001. Sou uma jovem de 17 anos, recém saída da adolescência, morando sozinha pela primeira vez e apaixonada pela ideia de passar lustra móveis no chão do pequeno apartamento que divido com uma colega. Estava a cursar o terceiro ano do ensino médio, me preparando para um vestibular -- nada fácil! -- de medicina na Universidade Federal de Uberlândia, cidade na qual me encontrava.
A UFU era muito bem conceituada, com um vestibular altamente concorrido. A maior parte das vagas disponíveis acabavam sendo ocupadas por alunos de outros Estados. Resultado de uma característica típica daquele processo de seleção, acabei me deparando com as coisas da Filosofia, então inserida na grade curricular das escolas que tinham na UFU a sua referência basilar. Travar contato cedo com a Filosofia, não importa se por força de um processo seletivo que me interessava sobremaneira, foi um grande privilégio!
Eu estava amando minha recém adquirida liberdade! Minha mãe havia se mudado para a Europa e meu pai residia no Sul de Minas Gerais. Sentia-me dona do próprio nariz, estudava em um bom colégio, estava conhecendo um rapaz do qual gostava...certo, não tinha dinheiro sobrando, mas a felicidade era daquelas estampadas na cara. Aquela vida não poderia ser melhor! Ao menos, eu não queria que mudasse. Mas mudou, é claro! No ano subsequente, não fui aprovada no vestibular da UFU e resolvi por uma guinada própria dos espíritos jovens: peguei-me morando em Londres, fazendo faxina nos banheiros do estádio do Arsenal, ainda sofrendo com os efeitos residuais de um pé na bunda impactante.
Refletindo sobre as mudanças e a sobre a inconstância da vida -- como mudou tudo de ano para o outro -- lembrei-me de uma das aulas de filosofia no "terceiro colegial", ministradas pelo inesquecível Dennys Xavier, que então nos colocou para refletir sobre uma célebre música de Lulu Santos:
Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas, como um mar
Num indo e vindo infinito
Tudo o que se vê não é
Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo
Bem, eu sempre fui apaixonada por história e por gente. Adoro ouvir e tentar entender o mecanismo do pensamento das pessoas. Sempre fui observadora, crítica, interrogadora. Na infância me ocupei muito tempo com as questões existenciais humanas, queria entender com qual tijolo era feito o céu, como surgiu o universo e o que teremos depois dessa vida. Muitas questões para as quais naturalmente ainda hoje não tenho resposta...mas que me despertaram para um fascínio pelo pensamento filosófico.
A filosofia é isso: um querer saber, um buscar respostas, um fazer novas perguntas, um caminhar em busca das causas, dos fundamentos. Penso que tudo isso justamente para tentar abrandar a dor da incompletude humana. Alguns com respostas mais geniais que outros nos ajudam a dar grandes passos. Um exemplo? Hipócrates, que estabeleceu a relação entre a medicina e a filosofia, pois as duas têm origens similares. Hipócrates busca a compreensão do todo do ser humano e das partes integrantes deste todo, de modo que o foco do cuidado está centrado no ser humano e não na patologia do corpo. A saúde é, então, resultado do equilíbrio destas partes. Atualíssimo, não acha?
A Grécia antiga foi o berço para tantos como Hipócrates, indivíduos brilhantes que ditaram os ulteriores rumos da nossa história. Conhecimento não é garantia de não sofrimento, mas saber que outras pessoas se intrigaram com a existência humana, teorizaram e construíram um caminho que nos auxilie de diversos modos é realmente magnífico. Não foi por acaso que Freud se debruçou na filosofia como base também para a psicanálise.
Você já ouviu falar de Heráclito? Heráclito de Éfeso (540 – 475 a.C), que inspirou aquele passo da aula no qual falávamos da canção de Lulu Santos, foi um filósofo pré-socrático grego. Para ele, tudo está em constante movimento, o mundo passa por criações e destruições perpétuas, porque tudo flui, tudo muda. Estabelecendo a transitoriedade das coisas, que estão em constante movimento. Em um dos fragmentos de sua obra, o de número 49a, encontra-se a seguinte afirmação: “Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”, e também, no fragmento de número 91, que “em rio não se pode entrar duas vezes no mesmo, nem substância mortal tocar duas vezes na mesma condição”.
Estas duas citações atribuídas a ele explicam, através da metáfora do rio, que as coisas nunca são as mesmas, ou seja, a cada segundo são novas as águas que passam pela corrente de um rio e, da mesma maneira, todas as coisas do mundo estão em uma condição diferente a cada instante que passa. Em suma, ninguém nunca entra na mesma água de um rio duas vezes. A vida é movimento, essa é a única constante. Então, adianta em alguma medida sermos resistentes às mudanças?
Um emprego em um cargo público, adquirido por via de um concurso, garante que você fará sempre as mesmas coisas todos os dias? Um juramento matrimonial, garante amor eterno? Um filho te priva da solidão? Não! O concurso pode trazer estabilidade em certa medida, mas não garante sempre a mesma rotina, do mesmo jeito. Um filho tem a vida dele a ser construída, e na melhor da hipóteses, devemos nos tornar desnecessários a eles com o passar do tempo. Um amor pode ser sustentado pelo desejo, mas não garantido pela eternidade.
Uma das principais fontes de sofrimento e adoecimento psíquico é, justamente, ignorar o movimento da vida, que é próprio e incerto. Quando uma relação trabalhista ou amorosa chega ao fim, deixar ir é o que temos de maior segurança. A música citada dizia exatamente sobre a teoria do filósofo. A única constante na vida, é a mudança.
A filosofia me ajudou e ajuda, é objeto de interesse até hoje. Não fiz a faculdade que eu almejei inicialmente, mas terminei a graduação em medicina e me especializei no psiquismo (tema essencial das investigações filosóficas). Durante esse percurso, houve muitas adversidades, mas eu tinha recursos intelectuais para lidar com elas, muitos deles exatamente oferecidos pela reflexão filosófica. Sugiro fortemente, a todos que se ocupem em alguma medida com filosofia (aliás, busquem o professor Dennys Xavier nas redes sociais -- @prof.dennysxavier -- ele continua a pleno vapor, oferecendo caminhos). Não há uma receita de bolo de como viver a vida, mas ela, a filosofia, te auxiliará a sustentar dúvidas com excelência e a exercer as suas potencialidades ao máximo. Tudo, claro, dentro das naturais possibilidades de cada um, nos limites da condição humana.
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A UFU era muito bem conceituada, com um vestibular altamente concorrido. A maior parte das vagas disponíveis acabavam sendo ocupadas por alunos de outros Estados. Resultado de uma característica típica daquele processo de seleção, acabei me deparando com as coisas da Filosofia, então inserida na grade curricular das escolas que tinham na UFU a sua referência basilar. Travar contato cedo com a Filosofia, não importa se por força de um processo seletivo que me interessava sobremaneira, foi um grande privilégio!
Eu estava amando minha recém adquirida liberdade! Minha mãe havia se mudado para a Europa e meu pai residia no Sul de Minas Gerais. Sentia-me dona do próprio nariz, estudava em um bom colégio, estava conhecendo um rapaz do qual gostava...certo, não tinha dinheiro sobrando, mas a felicidade era daquelas estampadas na cara. Aquela vida não poderia ser melhor! Ao menos, eu não queria que mudasse. Mas mudou, é claro! No ano subsequente, não fui aprovada no vestibular da UFU e resolvi por uma guinada própria dos espíritos jovens: peguei-me morando em Londres, fazendo faxina nos banheiros do estádio do Arsenal, ainda sofrendo com os efeitos residuais de um pé na bunda impactante.
Refletindo sobre as mudanças e a sobre a inconstância da vida -- como mudou tudo de ano para o outro -- lembrei-me de uma das aulas de filosofia no "terceiro colegial", ministradas pelo inesquecível Dennys Xavier, que então nos colocou para refletir sobre uma célebre música de Lulu Santos:
Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas, como um mar
Num indo e vindo infinito
Tudo o que se vê não é
Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo
Bem, eu sempre fui apaixonada por história e por gente. Adoro ouvir e tentar entender o mecanismo do pensamento das pessoas. Sempre fui observadora, crítica, interrogadora. Na infância me ocupei muito tempo com as questões existenciais humanas, queria entender com qual tijolo era feito o céu, como surgiu o universo e o que teremos depois dessa vida. Muitas questões para as quais naturalmente ainda hoje não tenho resposta...mas que me despertaram para um fascínio pelo pensamento filosófico.
A filosofia é isso: um querer saber, um buscar respostas, um fazer novas perguntas, um caminhar em busca das causas, dos fundamentos. Penso que tudo isso justamente para tentar abrandar a dor da incompletude humana. Alguns com respostas mais geniais que outros nos ajudam a dar grandes passos. Um exemplo? Hipócrates, que estabeleceu a relação entre a medicina e a filosofia, pois as duas têm origens similares. Hipócrates busca a compreensão do todo do ser humano e das partes integrantes deste todo, de modo que o foco do cuidado está centrado no ser humano e não na patologia do corpo. A saúde é, então, resultado do equilíbrio destas partes. Atualíssimo, não acha?
A Grécia antiga foi o berço para tantos como Hipócrates, indivíduos brilhantes que ditaram os ulteriores rumos da nossa história. Conhecimento não é garantia de não sofrimento, mas saber que outras pessoas se intrigaram com a existência humana, teorizaram e construíram um caminho que nos auxilie de diversos modos é realmente magnífico. Não foi por acaso que Freud se debruçou na filosofia como base também para a psicanálise.
Você já ouviu falar de Heráclito? Heráclito de Éfeso (540 – 475 a.C), que inspirou aquele passo da aula no qual falávamos da canção de Lulu Santos, foi um filósofo pré-socrático grego. Para ele, tudo está em constante movimento, o mundo passa por criações e destruições perpétuas, porque tudo flui, tudo muda. Estabelecendo a transitoriedade das coisas, que estão em constante movimento. Em um dos fragmentos de sua obra, o de número 49a, encontra-se a seguinte afirmação: “Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”, e também, no fragmento de número 91, que “em rio não se pode entrar duas vezes no mesmo, nem substância mortal tocar duas vezes na mesma condição”.
Estas duas citações atribuídas a ele explicam, através da metáfora do rio, que as coisas nunca são as mesmas, ou seja, a cada segundo são novas as águas que passam pela corrente de um rio e, da mesma maneira, todas as coisas do mundo estão em uma condição diferente a cada instante que passa. Em suma, ninguém nunca entra na mesma água de um rio duas vezes. A vida é movimento, essa é a única constante. Então, adianta em alguma medida sermos resistentes às mudanças?
Um emprego em um cargo público, adquirido por via de um concurso, garante que você fará sempre as mesmas coisas todos os dias? Um juramento matrimonial, garante amor eterno? Um filho te priva da solidão? Não! O concurso pode trazer estabilidade em certa medida, mas não garante sempre a mesma rotina, do mesmo jeito. Um filho tem a vida dele a ser construída, e na melhor da hipóteses, devemos nos tornar desnecessários a eles com o passar do tempo. Um amor pode ser sustentado pelo desejo, mas não garantido pela eternidade.
Uma das principais fontes de sofrimento e adoecimento psíquico é, justamente, ignorar o movimento da vida, que é próprio e incerto. Quando uma relação trabalhista ou amorosa chega ao fim, deixar ir é o que temos de maior segurança. A música citada dizia exatamente sobre a teoria do filósofo. A única constante na vida, é a mudança.
A filosofia me ajudou e ajuda, é objeto de interesse até hoje. Não fiz a faculdade que eu almejei inicialmente, mas terminei a graduação em medicina e me especializei no psiquismo (tema essencial das investigações filosóficas). Durante esse percurso, houve muitas adversidades, mas eu tinha recursos intelectuais para lidar com elas, muitos deles exatamente oferecidos pela reflexão filosófica. Sugiro fortemente, a todos que se ocupem em alguma medida com filosofia (aliás, busquem o professor Dennys Xavier nas redes sociais -- @prof.dennysxavier -- ele continua a pleno vapor, oferecendo caminhos). Não há uma receita de bolo de como viver a vida, mas ela, a filosofia, te auxiliará a sustentar dúvidas com excelência e a exercer as suas potencialidades ao máximo. Tudo, claro, dentro das naturais possibilidades de cada um, nos limites da condição humana.